"Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. As pessoas se libertam em comunhão." - Paulo Freire
O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) nasceu em 1999 como movimento nacional em defesa da Educação Infantil, quando integrantes dos Fóruns de Educação Infantil atuantes em alguns estados discutiram a necessidade de se unirem na defesa dos direitos das crianças de 0 a 6 anos à Educação Infantil de qualidade. Tratava-se de propor um tipo de organização dinâmica e ativa, que potencializasse a atuação dos fóruns, somando esforços e projetando posições consensuais no plano nacional brasileiro. Idealizava-se um movimento que respeitasse a autonomia de cada fórum, articulando-os a partir de uma pauta comum em um movimento entre os fóruns: o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil.
A história do MIEIB escreve-se em conjunto com a trajetória dos fóruns. Alguns iniciaram suas atividades entre 1994 e 1997, denominando-se como fórum ou outro termo similar (comissão interinstitucional, grupo etc.), desafiados pela implementação de uma política nacional de Educação Infantil. Naqueles anos pós-Constituição e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ainda em tramitação, eram muitas as indefinições sobre como o Estado, em suas três instâncias, garantiria os preceitos constitucionais, entre eles o direito das crianças de 0 a 6 anos à educação. Diante desses desafios, a gestão do Ministério da Educação (MEC) nos anos de 1992-1994 procurou fomentar não apenas sua articulação com estados e municípios, mas também a interlocução com outros segmentos do campo da educação, como representações de universidades, pesquisadores e professores, ou entidades não governamentais. No caso da Educação Infantil, a discussão de uma política nacional ensejou a criação da Comissão Nacional de Educação Infantil, formada por representantes de estados, municípios, órgãos federais, como o Ministério da Saúde e a Secretaria de Assistência Social, universidades, organizações não governamentais, Unesco[1] e Unicef[2]. Essa comissão foi instituída pelo MEC para discutir os desdobramentos da política e apoiar a Secretaria de Educação Básica, por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), em sua implementação.
Em alguns estados, como o Ceará, Mato Grosso do Sul e Pará, representações estaduais desses segmentos articularam-se para formar comissões estaduais próprias de Educação Infantil. Nesse período, participaram junto à COEDI, em suas ações e articulações, profissionais de outras três unidades do MEC cujas equipes possuíam reconhecida experiência na área da Educação Infantil: do Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro, sediado em Belo Horizonte (extinto poucos anos depois); das Delegacias do MEC (DEMEC), em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O Instituto João Pinheiro atuava com a Prefeitura de Belo Horizonte no diagnóstico do atendimento em creches e pré-escolas no município, com assessoria de pesquisadores da Fundação Carlos Chagas (FCC). Essas equipes vieram a constituir os fóruns de Educação Infantil em seus estados – Fórum de Educação Infantil do Rio de Janeiro, Fórum Mineiro de Educação Infantil e Fórum Paulista de Educação Infantil –, os quais tiveram papel fundamental na criação do MIEIB.
Equipes das DEMEC de outros estados também foram envolvidas nesse período de amplas discussões, especialmente em 1996, quando da realização de diagnóstico da situação da Educação Infantil em cada estado, em preparação para o II Simpósio Nacional de Educação Infantil (simultaneamente ao IV Simpósio Latino-Americano de Atenção à Criança de Zero a Seis Anos), realizado em Brasília, no mês de outubro do mesmo ano. Cabia às DEMEC, nessa etapa preparatória, reunir os vários segmentos governamentais e não governamentais envolvidos com a Educação Infantil, sendo que em alguns estados essas reuniões resultaram na criação do respectivo Fórum de Educação Infantil.
A redução do espaço de participação dos diferentes segmentos na política de Educação Infantil na Secretaria de Educação Básica (SEB) nos anos seguintes, especialmente a partir de 1998, contribuiu para que os atores articulados nos fóruns de Educação Infantil vissem a necessidade de se unirem em articulação nacional. De fato, esses fóruns já vinham demonstrando um considerável poder de mobilização e intervenção, tanto nas políticas educacionais quanto na produção de conhecimentos na área, ao realizarem encontros para debater questões de seu campo específico, efetuar levantamentos de dados sobre o atendimento ou acompanhar a atuação de secretarias municipais ou estaduais, vereadores e deputados.
Apesar dos avanços obtidos até aquele momento, especialmente no reconhecimento do direito à Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, o processo de reorganização das redes de atendimento às crianças de 0 a 6 anos mostrava-se bastante complexo. Naquele momento de crescente demanda por vagas, contribuíam para o agravamento da situação a escassez de subsídios orientadores, o desconhecimento das reais possibilidades dos dispositivos legais e as diversas interpretações que esses sugeriam, a limitada divulgação da produção teórica, a indefinição de fontes específicas de financiamento (uma vez que o FUNDEF[3] priorizava o Ensino Fundamental), assim como a atuação muitas vezes tímida ou ambígua dos responsáveis pelo direcionamento de políticas públicas de educação em âmbito federal, estadual e municipal.
O primeiro encontro da articulação de integrantes dos Fóruns de Educação Infantil, que resultou na criação do MIEIB, ocorreu durante a 22ª Reunião Anual da ANPED[4], em setembro de 1999, na cidade de Caxambu / MG. Seguiram-se a esse os de Belo Horizonte (outubro de 1999), Rio de Janeiro (novembro de 1999) e São Paulo (dezembro de 1999), todos com a participação de representantes de sete unidades da Federação: Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Essas reuniões ocorreram, respectivamente, na sede da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), na representação do Ministério da Educação no Estado do Rio de Janeiro e na Fundação Carlos Chagas de São Paulo, ambos com a presença de integrantes de universidades e institutos de pesquisa, conselhos estaduais de educação, secretarias de educação e organizações do terceiro setor, essas as primeiras parceiras institucionais do MIEIB.
Outra questão que se colocou foi a de direcionar o âmbito das discussões, reivindicações e ações dos integrantes dos fóruns a três vertentes: pesquisa e produção de conhecimento, práticas institucionais e implementação de políticas públicas no campo da Educação Infantil.
As propostas negociadas nessas reuniões tinham como tônica predominante a explicitação de pressupostos de trabalho e a definição das frentes de atuação, organizadas em um projeto de trabalho comum.
No primeiro texto produzido, o Projeto Movimento Interfóruns de Educação Infantil – ano 2000[5], definiram-se os princípios básicos compartilhados:
Definiram-se, também, critérios norteadores das ações do MIEIB:
Em 2002, em seu terceiro ano de atuação, o MIEIB já congregava fóruns de Educação Infantil de 14 estados mais o Distrito Federal (Acre, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe). No entanto, o atendimento às crianças de 0 a 6 anos em instituições de Educação Infantil ainda enfrentava inúmeros desafios à sua concretização em nosso país. A cada vez mais nítida delimitação do campo e a identificação das tensões presentes mobilizavam a atuação de profissionais e militantes. Tratava-se de reconhecer como legítima a demanda das famílias, esclarecendo, sensibilizando e pressionando o poder público para o cumprimento das disposições emanadas da legislação recente, lutando pelo aperfeiçoamento permanente do sistema educacional como um todo.
Nos anos de 2002 e 2003, o MIEIB reuniu os 15 fóruns existentes para escrever e divulgar as discussões das principais questões pertinentes à Educação Infantil no país naquele período. Assim, foi produzido o livro Educação Infantil: construindo o presente, publicado em 2003, pela Editora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Ao longo desse período de atividades constantes (encontros estaduais, reuniões de trabalho, intenso processo de articulação e elaboração de diferentes documentos), o MIEIB veio não apenas ampliando a participação de mais entidades e profissionais, através da criação de novos fóruns, como, também, construindo sua identidade. Desde 2007, todos os estados contam com fóruns organizados e participam do MIEIB, que congrega também fóruns regionais e municipais. Dessa forma, tem exercido papel político fundamental em defesa dos interesses da área, criando condições de assessoramento e apoio mútuo entre os fóruns que o constituem, promovendo, ainda, a formação continuada dos participantes.
Nesse processo, também se construíram e consolidaram as primeiras características básicas do funcionamento do MIEIB:
Assim, para os integrantes do MIEIB, reivindicar a melhoria da qualidade das creches e pré-escolas torna-se tarefa permanente, garantindo a efetiva integração das instituições que atendem crianças de 0 a 6 anos ao respectivo sistema de ensino, pelo direcionamento efetivo e transparente de aportes financeiros, respeito às normas de funcionamento dessas instituições, compromisso de supervisão e, sobretudo, pela exigência de formação adequada dos profissionais da Educação Infantil, com o devido e consistente embasamento conceitual.
Desde a primeira reunião, os participantes do MIEIB compartilham o princípio de não institucionalização do Movimento, defendendo-se a abertura permanente à participação dos interessados sem predeterminação de categorias ou segmentos, refutação de qualquer conotação político-partidária e reconhecimento do direito à livre expressão das ideias. Isto é, participar do MIEIB deve constituir um exercício de fortalecimento da democracia.
A partir de dezembro de 1999, o grupo de representantes dos fóruns de Educação Infantil estabeleceu sua pauta de atuação a fim de potencializar as iniciativas dos membros envolvidos e buscar o suporte institucional e financeiro. Votam-se as ações prioritárias, define-se a agenda e o direcionamento dos recursos disponíveis. Por não se organizar institucionalmente, o MIEIB não possui CNPJ[6] e, nesse sentido, a execução financeira é sempre assumida por uma entidade parceira participante do Movimento.
A consciência de estar fazendo história e produzindo conhecimentos leva o MIEIB a estabelecer procedimentos que permitam, não somente a realização de ações, mas também o acompanhamento e a avaliação das mesmas. Para agilizar e viabilizar a efetivação do projeto, definiu-se uma estrutura básica composta de um Grupo Gestor e uma Secretaria Executiva, de modo a operacionalizar as demandas do Movimento. Responsabilidade compartilhada, solidariedade e ética são os alicerces que estruturam as relações pessoais, profissionais e políticas que unem os participantes do MIEIB.
Assim sendo, são atribuições de todos os membros:
Por sua vez, são atribuições dos parceiros técnicos e/ou financiadores do MIEIB:
Compete ao Grupo Gestor do MIEIB:
E, à Secretaria Executiva, cabe:
Para se chegar a essa formulação de critérios, pressupostos e orientações de funcionamento, as pessoas que participaram das primeiras reuniões e das subsequentes puderam externar sua aprovação ou discordância, argumentar e debater amplamente cada um desses itens. São mulheres e homens, militantes e profissionais experientes ou iniciantes que firmaram entre si um pacto de atuação, comprometendo-se com a luta pelo direito da criança de 0 a 6 anos à educação.
Sendo um coletivo de pessoas, o MIEIB caracteriza-se, também, por ser um movimento que vem se fortalecendo, demonstrando seu poder de multiplicar iniciativas, na medida em que envolve as diversas instituições de todas as Unidades Federadas de onde são provenientes esses militantes e profissionais, atingindo outras pessoas e instituições, constituindo uma reação em rede. Essas instituições tornam-se parceiras eventuais ou efetivas quando liberam seus profissionais para participarem das ações do MIEIB, cedem o espaço de uma sala ou auditório para a realização de um evento, disponibilizam pessoal para atividades de apoio, assumem despesas financeiras ou oferecem qualquer tipo de auxílio material.
Contando com a participação de diversas instituições, os membros do MIEIB entenderam ser necessário buscar fontes de subsídio específicas para a organização do Movimento. Nesse sentido, desde a sua criação são realizadas negociações junto a diferentes parceiros financiadores, a exemplo de projetos apoiados pela Fundação Orsa, o Instituto Girassol, o Centro de Cultura Luiz Freire, Terre des Hommes e Instituto C&A.
Reconhecido nacionalmente como parceiro relevante na formulação de políticas públicas, o MIEIB também recebe, em ações específicas, como encontros e pesquisas, apoio de órgãos governamentais municipais, estaduais e federais. E, para potencializar suas ações, o MIEIB também se soma e integra a outras redes e movimentos, dentre os quais se destacam a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Rede Nacional Primeira Infância.
O firme propósito de garantir uma agenda nacional de trabalho comum desemboca, necessariamente, na definição de objetivos prioritários, visando uma mobilização e articulação nacional no campo da Educação Infantil junto aos organismos responsáveis ou representativos do setor no plano nacional. Concomitantemente ao objetivo de defender e divulgar para a sociedade brasileira a concepção de Educação Infantil como direito à educação de todas as crianças e dever do Estado, tem-se a pretensão de afirmar uma prática comprometida com os direitos fundamentais das crianças e com a consciência coletiva sobre a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento do ser humano.
Para tanto, é necessário fortalecer, paralelamente, tanto os fóruns estaduais, regionais e municipais de Educação Infantil constituídos, quanto o próprio MIEIB, articulando ações e concepções comuns.
Para viabilizar esses objetivos, diferentes estratégias são implementadas, dentre as quais se destacam:
Por fim, ressaltamos que o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) tem se configurado como uma referência prioritária para que professores, pesquisadores, profissionais e militantes da Educação Infantil possam desenvolver uma atuação transformadora e crítica frente às contradições do mundo social e ao desafio de consolidar a democracia no Brasil. Esses espaços criados pelos fóruns, sem dúvida, constituem-se em instâncias de resistência à submissão e na demarcação de um lugar comum para todos os envolvidos implicados na construção das infâncias por meio da educação.
São evidências da força nacional do MIEIB suas conquistas em relação ao respeito à identidade da Educação Infantil no FUNDEB[11], nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, no Plano Nacional de Educação (PNE) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
[1] Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
[2] Fundo das Nações Unidas para a Infância.
[3] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
[4] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
[5] Projeto Interfóruns de Educação Infantil – ano 2000. São Paulo, 2000, mimeo.
[6] Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.
[7] União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.
[8] União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.
[9] Fórum Nacional de Educação do Campo.
[10] Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros.
[11] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.