Você está sabendo da polêmica a respeito do corte etário para ingresso das crianças no ensino fundamental? É que existe uma ação em curso no Supremo Tribunal Federal querendo o fim da data de corte no dia 31 de março, como acontece atualmente. Os ministros do STF estão divididos, e muitas educadoras, mães e pais estão na dúvida.
Já nós, professoras, pesquisadoras e gestoras integrantes do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – o MIEIB – temos uma certeza: defendemos que a matrícula das crianças de cinco anos de idade seja feita na educação infantil. Saiba porque ao longo desta página.
O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), defende o direito à educação infantil pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social a todas as crianças brasileiras e se posiciona favorável, junto com outros representantes da sociedade civil, famílias, professoras/es e gestoras/es públicos, às Resoluções nº 1 e nº 6 de 2010, do CNE que estabelece a data corte de 31 de março para ingresso das crianças de seis anos de idade no ensino fundamental. Entenda porque o movimento defende que crianças de cinco anos devem ser matriculadas na educação infantil e o que é preciso para assegurar essa medida.
AFINAL, QUAL A IDADE CERTA PARA INGRESSO DAS CRIANÇAS NO ENSINO FUNDAMENTAL?
Alguns municípios brasileiros têm definido que crianças que completam seis anos de idade ao longo de todo o ano letivo devem ser matriculadas no ensino fundamental, e outros determinam que apenas aquelas que completarem seis anos após o dia 31 de março. As dúvidas têm gerado, a cada ano, processos jurídicos contra escolas e redes de ensino e têm prejudicado o acesso ao direito à educação infantil das crianças brasileiras.
A educação brasileira é organizada anualmente pelos sistemas de ensino estaduais e municipais. O levantamento do número de alunos que ingressarão no ensino fundamental da rede pública é feito pelos estados e municípios e pelo Distrito Federal de acordo com suas responsabilidades legais na oferta de educação básica. Esse levantamento é chamado de Cadastro Escolar e permite saber quantas crianças deverão ser atendidas no ano subsequente para, assim, organizar as escolas para esse atendimento. Numa determinada data estipulada pelos órgãos competentes, as famílias devem comparecer a uma escola ou a uma agência dos Correios, portando a documentação exigida, e realizar o cadastramento.
O QUE É CORTE ETÁRIO?
Estabelecer uma data comum que determine a idade que a criança será matriculada em cada etapa é uma forma de organizar o sistema educacional Essa data que determina o chamado corte etário garante, com clareza e precisão, a equidade na idade de ingresso nos sistemas de ensino, em todo o território nacional.
O CORTE ETÁRIO É IMPORTANTE?
Sim. O não estabelecimento dessa data para o corte etário impactaria, pelo menos, de duas maneiras a vida das crianças e dos sistemas de ensino. O primeiro grande impacto é que crianças muito novas ingressariam no primeiro ano do ensino fundamental. Uma criança que completaria cinco anos no dia 25 de dezembro de 2018 frequentaria durante todo o ano letivo de 2018 a educação infantil numa turma de crianças de quatro anos. Quando voltasse das férias escolares no ano de 2019, essa criança iria direto para uma turma de crianças do ensino fundamental e lá ficaria com colegas que já teriam seis anos, alguns que completariam no início ou no meio do ano e outros, como ela, que somente fariam aniversário ao final do ano. Essa criança teria perdido a oportunidade de frequentar mais um ano na educação infantil e, consequentemente, de desenvolver-se melhor cognitiva e emocionalmente.
O segundo impacto é na organização das turmas da educação infantil sistemas e redes educacionais. As escolas precisariam adotar o mesmo corte etário para evitar que as crianças que estivessem frequentando turmas de quatro anos de idade passassem para o primeiro ano do ensino fundamental sem frequentar as turmas de cinco anos, ou seja, as crianças de cinco anos teriam negado o seu direito à educação infantil. Consequentemente, as turmas de início da pré-escola – com crianças de quatro anos de idade, conforme o previsto legalmente – teriam crianças de três anos de idade que completariam quatro somente ao final do ano.
QUAL É O CORTE ETÁRIO ADOTADO ATUALMENTE?
Durante muito tempo, a data definida para matrícula foi o dia 30 de abril. Após a entrada da criança de seis anos no ensino fundamental, ampliando de oito para nove anos de duração essa etapa da educação básica, essa discussão veio à tona: quem é a criança de seis anos para o sistema educacional? A partir da homologação da lei que ampliou o ensino fundamental de oito para nove anos – Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, houve um tempo de indefinições. Até que o CNE, por meio das Resoluções nº 5, nº 1 e nº 6, de 2010, definiram como data limite para o corte etário, o dia 31 de março.
POR QUE LUTAMOS PARA QUE AS CRIANÇAS DE CINCO ANOS (AQUELAS QUE COMPLETAM SEIS ANOS APÓS 31 DE MARÇO) SEJAM MATRICULADAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL?
O MIEIB luta para que as crianças de cinco anos de idade – aquelas que completam seis anos após a data de 31 de março – sejam matriculadas na educação infantil, por defender o que está previsto em lei quanto ao corte etário específico para acesso a essa etapa da educação básica e por acreditar que o lugar das crianças de cinco anos é na educação infantil, de forma a ser-lhe garantido o direito de vivenciar plenamente a primeira infância.
Algumas pessoas acreditam erroneamente que matricular as crianças menores de seis anos de idade no ensino fundamental é uma forma de garantir–lhes o direito à educação. Isto é um equívoco, porque o direito dessas crianças à educação já está assegurado desde a Constituição Federal de 1988 e a sua matrícula na educação infantil tornou-se obrigatória a partir dos quatro anos de idade, desde o ano de 2009, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59. Portanto, a luta do MIEIB para que essas crianças sejam matriculadas na educação Infantil é exatamente para garantir seu direito a uma educação comprometida com a infância.
A chamada primeira infância, que vai de zero a seis anos incompletos, possui algumas especificidades que exigem um atendimento educacional com características próprias. É por considerar que a criança pequena é diferente da criança com mais de seis anos de idade, que os projetos político-pedagógicos e práticas curriculares pressupõem uma organização educacional específica para essa faixa etária. Tais projetos e práticas requerem finalidades, estratégias, recursos didáticos, materiais, espaços físicos, equipamentos e trabalho pedagógico diferenciados e específicos para esse público. A forma como a criança de zero a seis anos se relaciona com o mundo requer espaços adequados nos quais ela possa brincar, descansar, experimentar e realizar atividades ora estruturadas, ora espontâneas e livres. Turmas menos numerosas, organização do tempo e dos espaços que possibilitem um equilíbrio adequado entre situações de aprendizagem com níveis variados de concentração e dispersão, maior oferta de atividades que envolvam o uso do corpo e de movimentos amplos são alguns exemplos que concretizam uma prática pedagógica apropriada às crianças nessa faixa etária. A educação infantil é a etapa de ensino que melhor pode educar essas crianças e cuidar delas, promovendo e ampliando sua formação integral.
A luta de movimentos e entidades para que o poder público reconheça que as crianças pequenas são seres capazes, inteligentes, fortes e competentes e que possuem direito de aprender e de se desenvolver em instituições educativas formais, tem sido intensa ao longo das últimas décadas. Entretanto, esse direito de aprender e de se desenvolver só será efetivamente assegurado se a organização dos sistemas educacionais e as práticas pedagógicas respeitarem suas especificidades, isto é, a maneira como esses sujeitos se relacionam com o mundo, a forma com a qual dele se apropriam e o tempo necessário para tudo isso.
Antecipar a entrada no ensino fundamental para a idade de cinco anos é uma forma de desrespeitar o direito de ser criança e de viver a infância plenamente e como tempo de formação humana. A diferença entre o que se espera das crianças, na educação infantil e no ensino fundamental, nos indica que as crianças de cinco anos de idade, caso ingressem neste último, serão submetidas a processos de avaliação e de sistematização de conhecimentos que lhes exigirão aprendizagens com graus de complexidade e sistematizações inadequadas para o momento de vida dessas crianças. Logo, essa antecipação significará um desrespeito à concepção de educação infantil como primeira etapa da educação básica que vai de zero a cinco anos de idade, ou seja, antes da criança completar seis anos. A luta do MIEIB é por uma educação coerente com os processos de desenvolvimento infantis de forma integral e seus modos de estar no mundo. É uma luta por uma educação de qualidade social para a primeira infância como um dos seus direitos. E uma educação de qualidade social deve garantir o direito da criança em viver sua infância, assegurando-lhe tudo aquilo que este direito implica: o direito de brincar; de aprender ludicamente; de conviver em espaços que lhe garantam liberdade e autonomia. Enfim, deve promover práticas educativas capazes de respeitar seu ritmo, sua condição de aprendizagens, seus desejos e seu direito em ampliar suas experiências como ser humano e sujeito de direitos. Uma educação para que nossas crianças vivenciem ativamente sua primeira infância, lhes preservando da pressa em antecipar etapas, estudos, aprendizagens e desempenhos.
Diante de um retrato de intensas desigualdades educacionais, dentre elas, o não acesso à educação infantil de parcela significativa da população infantil brasileira, o Brasil tem feito um grande esforço, como ao ampliar para quatorze anos a escolaridade obrigatória. Portanto, permitir o ingresso das crianças com cinco anos no ensino fundamental, encurtando a duração da educação infantil, reduz, novamente, o percurso escolar da educação básica obrigatória para treze anos, o que significará um grande retrocesso em relação à garantia do direito à educação de qualidade social para todas as crianças.
Texto original: Fórum Mineiro de Educação Infantil
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil